Rui C. Antunes
Procession on a Mirrored Floor (“Procissão sobre um Chão Espelhado”) baseia-se numa tradição religiosa secular popular portuguesa, comum em pequenas aldeias, que tem lugar durante a Quaresma: todas as sextas-feiras os aldeões saíam depois da meia-noite e cantavam pelas ruas da aldeia a fim de lembrar os que dormiam de rezar pelas almas presas no purgatório, para que pudessem subir ao céu. Além desta tradição, a peça inspira-se na obra do artista gráfico holandês M. C. Escher (1898-1978), e na sua interpretação do espaço negativo em obras utilizando figuras de contorno (como Lucht en Water I, de 1938).
Em Procession on a Mirrored Floor, o tempo leva a música numa oscilação entre a percepção de um objecto musical facilmente identificável (como uma melodia ou harmonia) e o seu negativo (aqui representado como o seu inverso), colocando cada um em primeiro plano ou em segundo plano. No contexto da peça, estes dois planos são utilizados como representações expressivas de espaços positivos e negativos.
Os espaços positivos e negativos não são personificados por uma oposição de matéria e vazio, de ser e não ser, de som e silêncio. Em vez disso, ao longo da peça, os objectos mudam a sua posição em relação ao ouvinte. Mas apesar desta mudança de posição em relação à percepção do ouvinte, os objectos mantêm a sua posição mutualista entre si, o que proporciona os seus contornos complementares (de uma forma semelhante à utilizada por Escher nas suas obras).
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